xultz escreveu:Uma vez li em algum lugar que o engenheiro brasileiro é capacitado para produzir, e pouco capacitado para criar. Eu acho que isso é verdade. É realmente difícil ver um projeto brasileiro que se diga "cara, isso é inovador". O que mais temos são blocos chupados de datasheets que juntos formam um produto.
O motivo principal acho que não é nem incompetência generalizada. É falta de acesso a componentes que não sejam os triviais, fata de acesso a laboratórios, falta de acesso a instrumentos. Qualquer um que já desenvolveu qualquer coisa sabe que somos as pessoas certas no país errado, e continuamos nesta vida por pura teimosia, até que um produto chinês chegue quebrando as pernas e finalmente vamos vender chinelo na praia.
Me formei em 1976 e fui trabalhar no Centro de Pesquisas de Energia Elétrica - CEPEL.
Essa entidade foi criada para suprir o setor elétrico de equipamentos e procedimentos. Na época participei da formação do Laboratório de Eletrônica Analógica. Tudo bem servido de instalações, equipamentos técnicos e engenheiros. Todos recém formados. Estava-se criando os profissionais.
Foram criados diversos laboratórios; de Eletrônica digital, de Materiais, de Sistemas e outros. O Laboratório de Equipamentos Elétricos LEE fica em outra cidade, próximo a uma subestação de EE. Lá eram feitos os testes de alta tensão e alta potência.
O CEPEL era o sonho dourado do engenheiro e do técnico. Fazíamos de tudo lá. Somente equipamentos e sistemas computacionais de ponta.
Tudo que produzíamos era fruto de "papers", publicações internacionais como IEEE e outras.
Nos projetos só estudávamos os papers para entender a idéia. A partir daí criávamos. Era ótimo. Éramos a referência no Brasil e no exterior. Freqüentemente havia intercâmbio de engenheiros entre o Brasil e outros países. Tudo para manter o padrão internacional.
Após uns vinte anos de sua criação, lá por 1996, o CEPEL foi obrigado a mudar de política.
Na época fui responsável pela criação da parte eletrônica de um equipamento que custaria cerca de US$ 1 milhão.
Só havia um fabricante do equipamento que detinha toda tecnologia. Nosso trabalho foi desenvolver do zero.
O equipamento seria vendido para as empresas do setor elétrico da América do Sul, inclusive para o Brasil. Já havia demanda para esse equipamento.
Pois bem. Depois de dois anos de pesquisas e desenvolvimento do equipamento, o levamos ao LEE (Laboratório de Equipamentos Elétricos) para testá-lo.
Os testes foram todos perfeitos.
O nosso presidente era o Color. Ele começou uma fase de "tudo se importa". O equipamento não foi aproveitado. Até onde pude saber, ficou encaixotado por anos, pegando poeira.
Com o tempo passou-se a fazer menos pesquisas pioneiras de interesse imediato do Brasil. Passamos a fazer testes para projetos estrangeiros.
Nossos laboratórios, outrora excelentes, tornaram-se desatualizados e os equipamentos não mais eram renovados.
Meu sonho terminou, pois adorava fazer estes projetos. Após algum tempo solicitei minha demissão e logo em seguida minha aposentadoria.
Nessa época a indústria não criava quase nada. Não montavam quase nada. Nossos equipamentos eram transferidos para a indústria com dificuldade, pois preferiam um produto já existente e pronto, no mercado internacional.
Ainda temos muito boas escolas, de modo que elas formam alunos com excelentes qualidades.
Um técnico ou engenheiro não pode ser considerado bom, se não tem possibilidade de utilizar e desenvolver o que aprendeu na escola. E para isso são necessários muitos anos nesse trabalho.
É triste ver esse quadro. Saber que temos potencial, mas que não temos como utilizá-los.
MOR_AL
"Para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens não façam nada." Edmund Burke.
"Nunca discutas com pessoas estúpidas. Elas irão te arrastar ao nível delas e vencê-lo por possuir mais experiência em ser ignorante". Mark Twain